"A vida é vocação"
Bem-aventurada Eusébia Palomino (1899-1935)
A bem-aventurança dos pequenos
A vocação de uma Filha de Maria Auxiliadora
Foi Maria Auxiliadora quem, desde o primeiro encontro, marca a história vocacional de Eusébia, como ela mesma conta: «Certo domingo, quando saíamos da igreja dos jesuítas (a famosa igreja da Clerencia, em Salamanca), aonde fôramos para ouvir uma pregação com muitas outras jovens, vi que passava uma procissão e perguntei de que procissão se tratava. Disseram-me que era Maria Auxiliadora que saíra da casa dos Salesianos. Esperei, então, para vê-la. Quando chegou ao lugar em que eu estava, colocaram-na diante de mim e, ao ver Maria Auxiliadora, eu me senti atraída para ela. Ajoelhei-me e disse-lhe com grande fervor: "Sabes, minha mãe, que aquilo que eu desejo é agradar-te, ser sempre tua e ser santa". E o disse com tanto fervor que as lágrimas desciam pelo meu rosto. "Tu sabes, minha mãe, que se eu pudesse e tivesse dinheiroentraria em alguma casa e seria religiosa, para servir-te melhor, mas sou pobrezinha (pobrecita) e nada possuo". Entretanto, no meu interior eu sentia algo muito grande; a consolação e a satisfação que experimentava faziam-me derramar lágrimas em abundância. Não se passaram nem sequer quinze dias deste fato quando me encontrei com as Salesianas e, ao entrar pela portaria, Ir. Concepción Asencio acompanhou-nos até a capela. Logo ao entrar, encontrei-me ali com Maria Auxiliadora e, ao vê-la, senti algo de grandioso, que nem sei explicar, e caí de joelhos aos seus pés. Senti, então, no meu interior, que ela me dizia: "É aqui que te quero"». As Filhas de Maria auxiliadora decidiram pedir a sua colaboração na comunidade. Eusébia aceita mais do que de boa-vontade e põe-se logo a trabalhar: ajuda na cozinha, carrega a lenha, pensa na limpeza da casa, estende a roupa no grande pátio, acompanha o grupo das estudantes à escola estatal e cumpre outras tarefas na cidade.
O desejo secreto de Eusébia, de consagrar-se inteiramente ao Senhor, acende e preenche mais do que nunca toda a sua oração, todas as suas ações. Diz: "Se eu cumprir com diligência os meus deveres, agradarei à Virgem Maria e, um dia, conseguirei ser sua filha no Instituto". Não ousa pedi-lo, pela sua pobreza e falta de instrução; não se acha digna de tal graça: é uma congregação muito grande - pensa. A Superiora visitadora, a quem se confiou, acolhe-a com materna bondade e garante-lhe: "Não te preocupes com nada". E, com prazer, em nome da Madre geral, decide admiti-la.
É encaminhada à casa de Valverde Del Camiño, pequena cidade que na época contava com 9 mil habitantes, no extremo sudoeste da Espanha, zona mineira da Andaluzia, nos limites com Portugal. No primeiro encontro, as jovens da escola e do oratório não escondem certa desilusão: a recém-chegada é uma figura bastante insignificante, pequena e pálida, não bela, tem mãos grossas e, além disso, um nome não bonito. Alegra-se por "estar na casa do Senhor todos os dias da vida". Esta é uma situação "de realeza" de que o seu espírito se sente honrado, que habita as esferas mais elevadas do amor. As meninas que frequentam a casa das irmãs, entretanto, são logo capturadas pelas narrações de fatos missionários, ou da vida dos santos, ou de episódios de devoção mariana, ou de pequenas histórias sobre Dom Bosco, que recorda graças à feliz memória e sabe tornar atraentes e incisivas com a força do seu sentimento convicto, da sua fé simples. Às meninas, unem-se, aos poucos, as adolescentes mais difíceis, as jovens mais críticas e ricas, que percebem junto àquela irmãzinha, um fascínio inexplicável, uma irradiação de santidade que as transfere a uma realidade desconhecida. E já se fala explicitamente de santidade, mesmo fora do oratório.
Vêm ao pátio, e ficam ali interessados, também os pais das oratorianas e outros adultos, depois os jovens seminaristas em busca de conselhos. Alguns anos depois, muitas daquelas meninas estarão entre as postulantes de Barcelona - Sarriá. E a Inspetora, irmã Covi, fica surpresa com tantas vocações: "Mas o que está a acontecer em Valverde?"; responderão que há ali uma cozinheira asmática que conta belas histórias às meninas. Depois, serão também os sacerdotes a recorrer àquela humilde irmã, desprovida de doutrina teológica, mas com o coração cheio da sabedoria de Deus. Era, então, um florescer de fatos, de histórias, que passavam de boca em boca. Seminaristas, irmãs, sacerdotes, jovens, iam consultar a Ir. Eusébia sobre o próprio futuro, enquanto estendia a roupa no quintal ou descascava batatas na cozinha. E ela, tranquila, aconselhava, predizia o futuro, encorajava uma verdadeira vocação ou desaconselhava outra falsa. E a quem lhe perguntasse como soubesse estas coisas, respondia com uma pequena frase que Dom Bosco dissera muitas vezes: "Eu sonhei".
Tudo, na Ir. Eusébia, reflete o amor de Deus e o desejo intenso de fazê-lo amar: suas jornadas de muito trabalho são disso uma transparência contínua e o confirmam os temas prediletos de suas conversações: em primeiro lugar, o amor de Jesus por todos os homens, salvos pela sua Paixão. As santas Chagas de Jesus são o livro que Ir. Eusébia lê todos os dias, e dele tira pontos didáticos pelos quais uma simples "coroinha" que aconselha a todos, também com acenos frequentes em suas cartas, faz-se apóstola da devoção ao Amor misericordioso segundo as revelações de S. Faustina Kowalska. O outro "polo" da piedade vivida e da catequese de Ir. Eusébia é constituído pela "verdadeira devoção mariana" ensinada por S. Luís M. Grignon de Montfort. Será esta a alma e a arma do apostolado da Ir. Eusébia ao longo de toda a sua breve existência. Destinatários: as jovens, os jovens, as mães de família, os seminaristas e sacerdotes.
Quando, no início dos anos 30, a Espanha vai entrando nas convulsões da revolução pelo ódio dos sem Deus, devotados ao extermínio da religião, Ir. Eusébia não hesita em levar às consequências extremas o princípio da "disponibilidade", pronta literalmente a despojar-se de tudo. Oferece-se ao Senhor como vítima pela salvação da Espanha, pela liberdade da religião. A vítima é aceita por Deus.
Caros amigos leitores do Boletim Salesiano,
estou feliz por cumprimentá-los no início deste novo ano de 2011, que lhes desejo sereno, abundante das bênçãos que o Pai nos quis dar na encarnação do Seu Filho.
Encontramos uma das bênçãos mais importantes e belas para a nossa existência humana no magnífico hino da carta aos Efésios, que nos apresenta o plano salvífico de Deus. Ali, nós lemos: "Em Cristo, Deus nos escolheu, antes da fundação do mundo para sermos santos e íntegros diante dele, no amor, predestinando-nos a sermos seus filhos adotivos..." (1,4-5). Na carta aos Romanos, S. Paulo expressa essa mesma realidade: "Pois aos que ele conhece desde sempre, também os predestinou a se configurarem com a imagem do seu Filho..." (8,29).
Eis a grande e mais importante bênção. No plano de salvação pré-estabelecida por Deus somos chamados, ou melhor, fomos criados por Ele para reproduzir a imagem do seu Filho mediante a única realidade capaz de nos fazer semelhantes a Ele: o amor.
Os dois textos citados acima nos fazem pensar no que torna significativa a vida humana, ou seja, a descoberta do sentido da existência humana, o sonho a realizar, a missão a desenvolver neste mundo, numa palavra, a vocação que preenche a nossa vida de sentido, de alegria e de dinamismo, tornando-a fecunda.
Se nos artigos mensais do ano passado, lhe falei do "meu Jesus", desta vez quero falar-lhes da vida como vocação, também porque, segundo o testemunho dos quatro Evangelhos há uma íntima união entre evangelização e vocação. Jesus evangeliza, convoca e envia.
Entretanto, depois deste artigo que serve de introdução, não falarei nos meses seguintes sobre a vocação apresentando a sua dimensão antropológica, teológica ou pedagógica, ma falando-lhes de experiências concretas de pessoas bem sucedidas humana e cristãmente, justamente porque descobriram e seguiram a própria vocação.
A vida como vocação e a vocação como vida
O primeiro passo que proponho é "retornar a Dom Bosco"! Creio ser importante conhecer a sua experiência para descobrir os critérios e as atitudes que caracterizaram a sua ação e, assim, iluminar a nossa missão vocacional.
Dom Bosco viveu num ambiente e numa cultura pouco favoráveis, contrários ao crescimento das vocações eclesiásticas, com um crescente dissenso em relação à Igreja, como acontece hoje conosco. A liberdade de culto e a propaganda protestante ativa desorientavam o povo simples, apresentando uma imagem negativa da Igreja, do Papa e do clero. Criara-se no povo e, sobretudo entre os jovens, um clima impregnado de ideias liberais e anticlericais.
Dom Bosco não se desencorajou. Ele procurava descobrir possíveis sinais de vocação nos jovens que encontrava; colocava-os à prova entre os companheiros e acompanhava-os num itinerário de crescimento. Fazia-se, em outras palavras, colaborador do dom e da graça de Deus.
A sua ação voltava-se para elementos bem precisos.
Empenhava-se em criar um ambiente no qual a proposta vocacional pudesse ser acolhida favoravelmente e, por isso, chegar ao amadurecimento. Alimentava uma verdadeira e própria cultura da vocação caracterizada pela presença entre os jovens e por um alegre testemunho. Um clima familiar que favorecia a abertura dos corações.
A fim de nutrir essa cultura, Dom Bosco propunha uma intensa experiência espiritual, alimentada por uma simples, mas constante piedade sacramental e mariana, e pelo apostolado entre os companheiros, vivido com entusiasmo e disponibilidade.
Outro elemento para o qual Dom Bosco se voltava era o acompanhamento espiritual. A sua ação modulava-se conforme se tratasse de jovens ou adultos, aspirantes à vida eclesiástica, ou à vida religiosa ou simplesmente à vida do bom cristão e honesto cidadão. Era um diretor de espírito atento e prudente, sustentado pelo intenso amor à Igreja.
É o que Dom Bosco nos ensina! E nós, como seus filhos, somos chamados a viver com alegria e entusiasmo a nossa vocação e propor a jovens e adultos, homens e mulheres, a vocação salesiana como resposta adequada ao mundo de hoje e projeto de vida capaz de contribuir positivamente para a renovação da sociedade atual.
Criar e fomentar a cultura vocacional
Vimos como Dom Bosco procurou criar ao seu redor um ambiente, ou melhor dizendo, uma cultura vocacional.
Uma "cultura" exige mentalidades e atitudes compartilhadas por uma comunidade que vive, testemunha e propõe os valores cristãos em uníssono. Não pode ser entregue à ação isolada de alguém que trabalha em nome dos demais; a cultura vocacional exige o emprego sistemático e racional das energias da comunidade.
Os conteúdos que ela desenvolve referem-se a três áreas: antropológica, educativa e pastoral.
A primeira ajuda a compreender como a pessoa humana está intrinsecamente permeada pela perspectiva da vocação; a segunda, abrindo à capacidade de relacionar-se, favorece a proposta de valores congeniais à vocação; a terceira área refere-se à relação entre vocação e cultura objetiva, e oferece conclusões operativas para a ação vocacional.
Qualquer ação ou pensamento baseia-se numa imagem de homem, espontânea ou reflexa, que orienta o nosso dizer e o nosso agir. Isso acontece também no âmbito educativo e pastoral. O cristão desenvolve a sua imagem de homem elaborando a própria experiência e compreensão à luz da fé e tendo o seu modelo em Cristo.
A revelação cristã não se sobrepõe, portanto, à experiência humana, mas revela o seu sentido mais profundo e definitivo. Nesta perspectiva, a vocação não é um surplus dado apenas a alguns, mas uma visão de existência humana caracterizada pelo "apelo".
A primeira tarefa da cultura vocacional é, pois, elaborar e difundir uma visão de existência humana concebida como "apelo e resposta".
Sendo o ser humano parte de uma rede de relações, a cultura vocacional deve ajudar a prevenir no jovem uma concepção subjetiva da existência que o leve a ser centro e medida de si mesmo, concebendo a realização pessoal como defesa e promoção de si antes que abertura e entrega. A vida é abertura aos outros, vivida como capacidade de relaçãocotidiana, e é abertura à transcendência que revela o ser humano como um mistério que só Deus pode explicar e só Cristo pode satisfazer.
A unicidade da existência pede que se aposte nos valores importantes que devem ser encarnados nas opções que se fazem. Os jovens, à medida que crescem, apostam o próprio sucesso num projeto e na qualidade da vida. Devem decidir a própria orientação em longo prazo, tendo à frente diversas alternativas. E não podem percorrer a própria vida duas vezes: devem apostar. Nos valores que escolhem e nas opções que fazem jogam-se o seu sucesso ou a sua falência como projeto, a qualidade e a salvação da sua vida.
Jesus exprime-o de forma muito clara: "Quem quiser salvar sua vida, a perderá; mas quem perder sua vida por causa de mim e do evangelho, a salvará. De fato, de que adianta alguém ganhar o mundo inteiro, se perde a própria vida?" (Mc 8,35-36). Missão da cultura vocacional é sensibilizar para a escuta desses questionamentos, habilitar para aprofundá-los. Missão da cultura vocacional é, também, promover o crescimento e as escolhas de uma pessoa em relação ao Bonum, ao Verum, ao Pulchrum, em cuja acolhida está a sua plenitude.
Descobrir e acolher a vida como dom e missão é outro empenho da cultura vocacional.
Vocação é a definição que a pessoa dá à própria existência, percebida como dom e apelo, guiada pela responsabilidade, projetada com liberdade. Lendo a Escritura descobre-se como o dom da vida encerra um projeto que se manifesta aos poucos através do diálogo consigo mesmo, com a história e com Deus, e exige uma resposta pessoal.
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